Em busca do espaço/tempo ganho no Brasil
Texto
de Jorge Vital de Brito Moreira
Parte 3
Parte 3
A viagem pelo nordeste do Brasil,
além de ilustrada e informativa, foi, durante a maior parte do tempo,
extremamente divertida e muito engraçada;
graças ao talento natural do amigo Israel Pinheiro para saber contar
piadas “nacionalistas” e à minha inclinação para replicá-las com piadas
alegóricas, nunca fomos vítimas do conhecido “tédio de viagem”. De vez em
quando parávamos o carro para comprar água natural, beber água de coco e
cerveja gelada, e/ou para almoçar e jantar.
A carne de bode, de carneiro, o
requeijão, o queijo de coalho, foram alimentos
que nunca faltaram na viagem. Tampouco faltaram pamonha, cuscuz,
bolacha, pão e amendoim cozido, ao lado do mate gaúcho quente chupado pelo
Israel no fundo do carro. A comida nordestina então foi outras das maravilhas
da nossa viagem.
A viagem também foi muito
interessante por contar com a presença do jovem Gabriel Pinheiro, um estudante
de advocacia, cuja participação, como piloto, deveu-se a existência de uma
greve na Escola de Direito. Gabriel, além de tomar fotos da viagem,
transformou-se num ativo interlocutor para as conversas em torno aos temas
jurídicos, políticos, sócioeconômicos, culturais e ecológicos; conversas que surgiram enquanto dirigíamos o automóvel.
Depois de chegar, visitar e dormir
na cidade de Bomfim, na Bahia, fomos passear pelo antigo prédio do seminário
católico onde, muitas décadas antes, o sociólogo Israel Pinheiro estudou para
se converter num padre católico. Felizmente, para o bem do Israel, das três
famílias, e dos quatro filhos que procriou, a profissão de vigário não
frutificou.
Seguindo na cidade de Bonfim, fomos visitar as
antigas (mas conservadas e bonitas) instalações da estrada de ferro da cidade
(comprovem vendo a fotografia que Novas
Pensatas utilizou para ilustrar o primeiro texto que escrevi sobre esta
viagem). Assim, era inevitável que aparecesse frequentemente nas nossas
conversas, o tema da estúpida decisão do governo brasileiro de quase extinguir
as estradas de ferro e o sistema de transporte ferroviário no Brasil. (comparando
o crescimento do Brasil ao da China, deveríamos lembrar que atualmente as
ferrovias e os trens de ferro dos chineses conformam um dos sistemas de
transporte mais importantes e dinâmicos do mundo contemporâneo, sistema
imprescindível para o extraordinário desenvolvimento sócio econômico da
poderosa China).
Com tantos diálogos matinais,
vespertinos e noturnos, era inevitável que Israel e eu nos lembrássemos do nosso
tempo de estudantes universitários e daquelas imprescindíveis discussões da
nossa historia nacional, da cultura brasileira e da sociedade contemporânea do
país.
Apesar das mudanças ocorridas no
Brasil nestes últimos 50 anos (entre o inicio da modernização capitalista
conservadora implementada pela ditadura militar em 1964 e a recente crise da
hegemonia do PT e seu projeto governista neoliberal), continuo acreditando que
a discussão sobre o desenvolvimento e subdesenvolvimento do Brasil como país
capitalista emergente (subordinado aos interesses do mercado internacional
globalizado e imperialista), deveria ser uma discussão central para a maioria
dos brasileiros. Esta discussão, para mim, é um dos requisitos
teórico-metodológicos fundamentais para que os políticos, intelectuais,
artistas, trabalhadores e estudantes possam entender o maldito papel do
imperialismo no problemático destino do Brasil como retrógado exportador de
matérias primas e alimentos em pleno século XXI. Em síntese, continuo
acreditando (apesar da hegemonia da ideologia neoliberal propagandeada pela mídia
corporativa nacional/internacional) que a luta pela integridade da nação
brasileira contra os interesses expansionistas do imperialismo dos EUA e
internacional, deveria continuar sendo uma das discursões hierarquicamente
prioritárias para as novas gerações de brasileiros que ainda desejam ter um
país livre e independente da intervenção estrangeira.
Desde meu ponto de vista, é
lamentável e indigno que a mentalidade e a opinião da classe média brasileira
esteja dominada pela ideologia colonialista dos programas de TV produzidos por
canais da mídia corporativa e antidemocrática dos grandes conglomerados como a
Globo, CNN, Fox, pelas revistas Veja e Isto é e por jornais tais
como o Estado de São Paulo e a
Folha de São Paulo em prol do modelo
neoliberal do imperialismo estadunidense.
Outros dos grandes momentos da
travessia em torno do rio São Francisco, foi a nossa decisão de continuar
dirigindo o “Peugeot” pelas ótimas estradas do sertão pernambucano: a decisão
de sair de Petrolina e fazer a viagem direta para Cabrobó, a cidade onde
visitamos as obras de transposição do Rio São Francisco, um projeto
empreendido pelo governo federal para o deslocamento de parte de suas águas
através de mais de 700 quilómetros de canais de concreto ao longo do território
de quatro estados brasileiros (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio
Grande do Norte).
Em Cabrobó, tivemos a oportunidade
de subir por um gigantesco canal de concreto e logo caminhar por meio quilometro
ao longo de uma das suas extensas beiradas para poder observar (!que visão
fantástica!), desde o alto da babilônica construção, a planície semi desértica,
o rio São Francisco, e o poderosíssimo sistema de máquinas, que era o
responsável pelo bombeamento do precioso liquido para o canal de concreto
armado. O que nos surpreendeu foi não poder ter visto as máquinas bombeando o
liquido, nem ter visto as águas correndo pelo canal de concreto. Assim,
perguntamos a um jovem (que percorria numa moto as imensas paredes das beiradas
do canal de cimento) se ele sabia a razão da falta de atividade do sistema e da
falta de água no canal. Ele então nos explicou que devido à falta de chuva na Serra da Canastra
em Minas Gerais, tinha havido uma grande redução no volume das águas do rio São
Francisco; por isso o sistema hidráulico não bombeava água todos os dias da
semana, bombeava apenas, esporadicamente, dia sim, dia não.
A explicação dele era lógica e
coerente com o que já havíamos presenciado e ouvido nas margens ribeirinhas do
“Velho Chico”: tanto na barragem do Sobradinho como nas cidades por onde
passamos (Juazeiro, Casa Nova, Remanso) a realidade era a mesma: o nível das águas
estava muito baixo. [para os leitores terem uma imagem concreta, informo, que
na cidade de Remanso, por exemplo, tivemos de dirigir por uns nove quilômetros
(entre a margem anterior e a margem atual) para molhar os pés nas águas do rio].
Nesses momentos, eu lembrava da música (“O sertão vai virar mar e o mar virar
sertão”) e das imagens do filme Deus e o
Diabo na terra do Sol, a obra prima do genial cineasta baiano Glauber
Rocha.
Logo de realizar o segundo dos
nossos principais objetivos (conhecer a transposição do Rio São Francisco),
partimos no carro para conhecer a cidade, a cachoeira e a usina hidroelétrica de Paulo Afonso.
Depois de percorrer esta cidade de norte a sul, de leste a oeste, estivemos
contemplando e tirando fotos da paisagem em torno dos milhões de metros cúbicos
de água azul da gigantesca barragem. Nosso passeio foi coroado com um banho
prolongado numa praia agradável construída pela CHESF numa das margens da
represa. Vestidos em shorts de banho,
Gabriel e eu, nadávamos e mergulhávamos nas águas barrentas do rio, enquanto Israel,
sentado numa barraca de lona, bebia água de coco, tomava cerveja e comia
amendoim cozido. À tarde, seguimos para a cidade de Araci, mas, antes de chegar
lá, tivemos de fazer uma parada no Jorro (a cidade de águas quentes) porque o
Israel queria participar do ritual daquela região: tomar banho quente roçando a
pele na pele de inúmeros (dezenas, centenas) banhistas de dentro e fora do
local.
Depois
de dormir em Araci (terra onde sou sempre muito bem recebido pelo familiares de
Israel) tomei, no feriado do dia 7 de setembro, um ônibus coletivo, para visitar
a cidade de Feira de Santana e me encontrar com o grande amigo Nilo
Henrique Neves dos Reis (professor de filosofia da UEFS) junto a Sumaya de
Oliveira, uma bela e inteligente mulher, que o amigo, sortudo, me apresentou
como sendo sua esposa. Sumaya, além de ser uma apaixonada promotora pública na
região é também uma educadíssima anfitriã soteropolitana.
Agora também devo mencionar que, além da amizade e das
excelentes qualidades humanas e executivas (inteligência, generosidade,
liderança) que Nilo sempre revelou, ele também foi o principal responsável pela
edição, publicação, e lançamento do meu livro “Memorial da Ilha e Outras Ficções” na cidade de Feira de Santana,
a princesa do sertão baiano.
No final da tarde, tomei o ônibus de 5:30 na rodoviária de
Feira esperando chegar a cidade de Salvador entre 6:00 e 7:00 da noite. A dura
realidade (do transito entre as duas cidades) é que só pude chegar na
residência da minha irmã Lúcia, no bairro da Pituba, em Salvador, às 11:00
horas da noite: uma realidade comparável ao filme Weekend, um filme de ficção do genial cineasta francês, Jean
Luc-Godard.
Em Salvador, pude então reencontrar, o meu irmão mais moço,
Carlos Roberto (Carlinhos) para empreender uma segunda viagem. Desta vez, a
viagem seria realizada por ferry-boat
e por automóvel através da Ilha de Itaparica, o espaço-tempo onde a nossa mãe
nasceu e onde a nossa família passava as férias durante o verão baiano.
(Continua na próxima semana)
No comments:
Post a Comment