Sunday, October 18, 2015

Novas pensatas: Em busca do espaço/tempo ganho no Brasil, Parte 3





 


 


Em busca do espaço/tempo ganho no Brasil

Texto de Jorge Vital de Brito Moreira 
Parte 3

A viagem pelo nordeste do Brasil, além de ilustrada e informativa, foi, durante a maior parte do tempo, extremamente divertida e muito engraçada;  graças ao talento natural do amigo Israel Pinheiro para saber contar piadas “nacionalistas” e à minha inclinação para replicá-las com piadas alegóricas, nunca fomos vítimas do conhecido “tédio de viagem”. De vez em quando parávamos o carro para comprar água natural, beber água de coco e cerveja gelada, e/ou para almoçar e jantar.
A carne de bode, de carneiro, o requeijão, o queijo de coalho, foram alimentos  que nunca faltaram na viagem. Tampouco faltaram pamonha, cuscuz, bolacha, pão e amendoim cozido, ao lado do mate gaúcho quente chupado pelo Israel no fundo do carro. A comida nordestina então foi outras das maravilhas da nossa viagem.
A viagem também foi muito interessante por contar com a presença do jovem Gabriel Pinheiro, um estudante de advocacia, cuja participação, como piloto, deveu-se a existência de uma greve na Escola de Direito. Gabriel, além de tomar fotos da viagem, transformou-se num ativo interlocutor para as conversas em torno aos temas jurídicos, políticos, sócioeconômicos, culturais e ecológicos; conversas que surgiram enquanto dirigíamos o automóvel.
Depois de chegar, visitar e dormir na cidade de Bomfim, na Bahia, fomos passear pelo antigo prédio do seminário católico onde, muitas décadas antes, o sociólogo Israel Pinheiro estudou para se converter num padre católico. Felizmente, para o bem do Israel, das três famílias, e dos quatro filhos que procriou, a profissão de vigário não frutificou.
 Seguindo na cidade de Bonfim, fomos visitar as antigas (mas conservadas e bonitas) instalações da estrada de ferro da cidade (comprovem vendo a fotografia que Novas Pensatas utilizou para ilustrar o primeiro texto que escrevi sobre esta viagem). Assim, era inevitável que aparecesse frequentemente nas nossas conversas, o tema da estúpida decisão do governo brasileiro de quase extinguir as estradas de ferro e o sistema de transporte ferroviário no Brasil. (comparando o crescimento do Brasil ao da China, deveríamos lembrar que atualmente as ferrovias e os trens de ferro dos chineses conformam um dos sistemas de transporte mais importantes e dinâmicos do mundo contemporâneo, sistema imprescindível para o extraordinário desenvolvimento sócio econômico da poderosa China).
Com tantos diálogos matinais, vespertinos e noturnos, era inevitável que Israel e eu nos lembrássemos do nosso tempo de estudantes universitários e daquelas imprescindíveis discussões da nossa historia nacional, da cultura brasileira e da sociedade contemporânea do país.
Apesar das mudanças ocorridas no Brasil nestes últimos 50 anos (entre o inicio da modernização capitalista conservadora implementada pela ditadura militar em 1964 e a recente crise da hegemonia do PT e seu projeto governista neoliberal), continuo acreditando que a discussão sobre o desenvolvimento e subdesenvolvimento do Brasil como país capitalista emergente (subordinado aos interesses do mercado internacional globalizado e imperialista), deveria ser uma discussão central para a maioria dos brasileiros. Esta discussão, para mim, é um dos requisitos teórico-metodológicos fundamentais para que os políticos, intelectuais, artistas, trabalhadores e estudantes possam entender o maldito papel do imperialismo no problemático destino do Brasil como retrógado exportador de matérias primas e alimentos em pleno século XXI. Em síntese, continuo acreditando (apesar da hegemonia da ideologia neoliberal propagandeada pela mídia corporativa nacional/internacional) que a luta pela integridade da nação brasileira contra os interesses expansionistas do imperialismo dos EUA e internacional, deveria continuar sendo uma das discursões hierarquicamente prioritárias para as novas gerações de brasileiros que ainda desejam ter um país livre e independente da intervenção estrangeira.
Desde meu ponto de vista, é lamentável e indigno que a mentalidade e a opinião da classe média brasileira esteja dominada pela ideologia colonialista dos programas de TV produzidos por canais da mídia corporativa e antidemocrática dos grandes conglomerados como a Globo, CNN, Fox, pelas  revistas Veja e Isto é e por jornais tais  como o Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo em prol do modelo neoliberal do imperialismo estadunidense.
Outros dos grandes momentos da travessia em torno do rio São Francisco, foi a nossa decisão de continuar dirigindo o “Peugeot” pelas ótimas estradas do sertão pernambucano: a decisão de sair de Petrolina e fazer a viagem direta para Cabrobó, a cidade onde visitamos as obras de transposição do Rio São Francisco, um projeto empreendido pelo governo federal para o deslocamento de parte de suas águas através de mais de 700 quilómetros de canais de concreto ao longo do território de quatro estados brasileiros (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte).
Em Cabrobó, tivemos a oportunidade de subir por um gigantesco canal de concreto e logo caminhar por meio quilometro ao longo de uma das suas extensas beiradas para poder observar (!que visão fantástica!), desde o alto da babilônica construção, a planície semi desértica, o rio São Francisco, e o poderosíssimo sistema de máquinas, que era o responsável pelo bombeamento do precioso liquido para o canal de concreto armado. O que nos surpreendeu foi não poder ter visto as máquinas bombeando o liquido, nem ter visto as águas correndo pelo canal de concreto. Assim, perguntamos a um jovem (que percorria numa moto as imensas paredes das beiradas do canal de cimento) se ele sabia a razão da falta de atividade do sistema e da falta de água no canal. Ele então nos explicou que  devido à falta de chuva na Serra da Canastra em Minas Gerais, tinha havido uma grande redução no volume das águas do rio São Francisco; por isso o sistema hidráulico não bombeava água todos os dias da semana, bombeava apenas, esporadicamente, dia sim, dia não.
A explicação dele era lógica e coerente com o que já havíamos presenciado e ouvido nas margens ribeirinhas do “Velho Chico”: tanto na barragem do Sobradinho como nas cidades por onde passamos (Juazeiro, Casa Nova, Remanso) a realidade era a mesma: o nível das águas estava muito baixo. [para os leitores terem uma imagem concreta, informo, que na cidade de Remanso, por exemplo, tivemos de dirigir por uns nove quilômetros (entre a margem anterior e a margem atual) para molhar os pés nas águas do rio]. Nesses momentos, eu lembrava da música (“O sertão vai virar mar e o mar virar sertão”) e das imagens do filme Deus e o Diabo na terra do Sol, a obra prima do genial cineasta baiano Glauber Rocha.
Logo de realizar o segundo dos nossos principais objetivos (conhecer a transposição do Rio São Francisco), partimos no carro para conhecer a cidade, a cachoeira e a usina hidroelétrica de Paulo Afonso. Depois de percorrer esta cidade de norte a sul, de leste a oeste, estivemos contemplando e tirando fotos da paisagem em torno dos milhões de metros cúbicos de água azul da gigantesca barragem. Nosso passeio foi coroado com um banho prolongado numa praia agradável construída pela CHESF numa das margens da represa. Vestidos em shorts de banho, Gabriel e eu, nadávamos e mergulhávamos nas águas barrentas do rio, enquanto Israel, sentado numa barraca de lona, bebia água de coco, tomava cerveja e comia amendoim cozido. À tarde, seguimos para a cidade de Araci, mas, antes de chegar lá, tivemos de fazer uma parada no Jorro (a cidade de águas quentes) porque o Israel queria participar do ritual daquela região: tomar banho quente roçando a pele na pele de inúmeros (dezenas, centenas) banhistas de dentro e fora do local. 
Depois de dormir em Araci (terra onde sou sempre muito bem recebido pelo familiares de Israel) tomei, no feriado do dia 7 de setembro, um ônibus coletivo, para visitar a cidade de Feira de Santana e me encontrar com o grande amigo Nilo Henrique Neves dos Reis (professor de filosofia da UEFS) junto a Sumaya de Oliveira, uma bela e inteligente mulher, que o amigo, sortudo, me apresentou como sendo sua esposa. Sumaya, além de ser uma apaixonada promotora pública na região é também uma educadíssima anfitriã soteropolitana.
Agora também devo mencionar que, além da amizade e das excelentes qualidades humanas e executivas (inteligência, generosidade, liderança) que Nilo sempre revelou, ele também foi o principal responsável pela edição, publicação, e lançamento do meu livro “Memorial da Ilha e Outras Ficções” na cidade de Feira de Santana, a princesa do sertão baiano.
No final da tarde, tomei o ônibus de 5:30 na rodoviária de Feira esperando chegar a cidade de Salvador entre 6:00 e 7:00 da noite. A dura realidade (do transito entre as duas cidades) é que só pude chegar na residência da minha irmã Lúcia, no bairro da Pituba, em Salvador, às 11:00 horas da noite: uma realidade comparável ao filme Weekend, um filme de ficção do genial cineasta francês, Jean Luc-Godard.
Em Salvador, pude então reencontrar, o meu irmão mais moço, Carlos Roberto (Carlinhos) para empreender uma segunda viagem. Desta vez, a viagem seria realizada por ferry-boat e por automóvel através da Ilha de Itaparica, o espaço-tempo onde a nossa mãe nasceu e onde a nossa família passava as férias durante o verão baiano.

(Continua na próxima semana)









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