Em memória de Theotônio dos Santos, Ruy Mauro
Marini, Vânia
Bambirra,
Consequências do Novo Golpe
Militar no Brasil: repetição do desastre, da tragédia e dos traumas do golpe militar de 1964
em prol do imperialismo dos EUA.
Jorge Vital de Brito Moreira
Novos acontecimentos econômicos, sociais e políticos no
Brasil, na América Latina e nos EUA, levantaram a possibilidade da
implementação de um novo golpe militar
contra os brasileiros e latino-americanos. Esta ameaça de um novo golpe está
associada aos últimos eventos na sociedade brasileira e na América Latina:
1) O relativo fracasso dos projetos antidemocráticos, antipopulares
e pró-imperialistas produzidos pelos responsáveis do golpe de Estado do corrupto,
usurpador e mentiroso Michel Temer (e da sua quadrilha de políticos ladrões e
organizações políticas brasileiras criminosas tais como o PMDB, PSDB, TV GLOBO
e companhias): dado que estes projetos de Temer não foram nem são capazes de
retirar o Brasil da sua gigantesca crise econômica, política e social e dado
que a corrupção e o roubo da administração do ex-governador Sergio Cabral
deixou o estado do Rio de Janeiro, por exemplo, ainda mais pobre (pois econômica
e financeiramente saqueado), o fraudulento governo do vampiro Michel Temer
decidiu usar as forças armadas brasileiras para
fazer (sob o pretexto de assegurar sua segurança pública) uma
intervenção militar nas favelas do Rio de Janeiro.
2)
A recente visita do secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson a vários países
e a seus governantes neoliberais ( entreguistas) da América Latina tais como México, Argentina,
Colômbia, Peru e Jamaica: como sabemos, antes e durante a sua visita ele fez declarações repetidas sobre a necessidade
de mudança de regime na Venezuela. Em
poucas palavras, as declarações de Rex Tillerson (e sua aparente preocupação com o destino dos
cidadãos da Venezuela) parecem indicar
que existem planos do governo estadunidense
para realizar (com a ajuda militar do Comando Sul dos EUA e dos países
acima mencionados) uma invasão da Venezuela com o objetivo de estabelecer um
golpe militar e uma ditadura governamental para controlar o petróleo
venezuelano em benefícios das companhias petroleiras dos EUA (Democracy now,
2018)
Atualmente, estamos informados que Tillerson serviu por dez anos (2006-2016)
como presidente e CEO da empresa de petróleo ExxonMobil, de onde se mudou para
o Departamento de Estado para direcionar a política externa no início de 2017.
Ele ingressou na empresa em 1975 como engenheiro de produção e subiu ao topo.
Ele também foi membro do American Petroleum Institute e do National Petroleum
Council. Devemos lembrar que, em 2007, a ExxonMobil foi a única empresa dos
EUA, juntamente com a Conoco Phillips, que se recusou a aceitar as novas regras
estabelecidas na Lei de Hidrocarbonetos, promulgada sob a presidência de Hugo
Chávez, que regulou as percentagens de royalties e a participação de empresas
estrangeiras de extração de petróleo que operam na Venezuela. O desacordo
chegou a centros internacionais de arbitragem, incluindo o Centro Internacional
de Solução de Disputas de Investimento (ICSID) vinculado ao Banco Mundial (Rebelion.org,
2018)
Assim, fica claro para mim, que o
discurso de Tillerson não tem nada que ver com o bem estar da população venezuelana
ou latino-americana, mas tem tudo que ver com os interesses e a necessidade da
ExxonMobil dos EUA de controlar as fontes de energias petroleiras da América
Latina, seja a de Pemex (México), Petrobras (Brasil) ou de Petróleos de Venezuela (PDVSA).
Dado o gigantesco desastre nacional,
a assombrosa tragédia socioeconômica, os incríveis traumas humanos produzidos pelo
golpe e por 21 anos de ditadura militar contra a maioria do povo brasileiro, é imprescindível
tratar de rever este abominável evento para advertir as novas
gerações de leitores brasileiros sobre algumas das consequências da experiência
de ser vítima de ditaduras militares impostas a América Latina pelos interesses
imperialistas (econômicos e políticos) dos políticos brasileiros associados aos
governos dos EUA.
Revendo o golpe de estado de 1964 e 21 anos
de ditadura militar
De acordo com o Arquivo Nacional de Segurança dos EUA (The
US National Security Archive) em 31 de março/1 de abril de
1964, um golpe de estado perpetrado por militares brasileiros com o apoio e
colaboração do governo dos EUA durante a presidência de Lyndon B. Johnson, do
embaixador Lincoln Gordon, do agregado militar Vernon Walters, da CIA e, do apoio
militar da Marinha dos EUA) derrubou o governo do presidente brasileiro João
Goulart, eleito democraticamente pelo povo brasileiro (US Nacional Archive,
2014)
O golpe de
estado de 1964 (que completará 54 anos
dentro de algumas semanas) estabeleceu uma ditadura militar no Brasil: um
regime político que teve a duração de 21 anos (desde 31 de março 1964 até 1985) sob o comando de sucessivos
governos militares para defender e apoiar o projeto político da elite brasileira subordinada à dominação politico-econômica
dos EUA e aos seus interesses militares (National Security Archive, 2014). A
ditadura militar de 1964 deu aos militares brasileiros poderes quase absolutos
e a primeira consequência antidemocrática e antipopular deste regime foi o
encerramento do Congresso Nacional e a suspensão da constituição brasileira.
Entre as atrocidades fascistas da ditadura contra o povo brasileiro estavam: a
remoção dos mandatos de senadores, deputados, governadores e prefeitos que não
concordavam com o regime militar; tornou-se legal, legislar por decreto-lei e
foi autorizado a decretação do confisco
de bens de “inimigos” políticos.
Seguindo esta pratica ditatorial, o ditador militar em
turno podia decretar o “estado de sítio”,
suspender a possibilidade de qualquer reunião de natureza política; estabelecer
a censura política e cultural, determinar a "censura prévia" sobre a
música popular (MPB), o teatro, o cinema, a literatura e sobre os assuntos de
natureza política; suspender a instituição do habeas corpus para os chamados
crimes políticos; proibir as manifestações públicas de natureza política, bem
como suspender os direitos políticos dos cidadãos brasileiros. A transgressão
desses atos antidemocráticos significou, simultaneamente, entre outras coisas,
a suspensão do direito ao voto e as eleição nacionais, regionais e as eleições
sindicais, proibindo as atividades ou manifestações em todos os assuntos de
natureza política (López-Arnal, 2008).
Ditadura Militar e violação dos
direitos humanos no Brasil.
A Ditadura estabeleceu a prática regular dos sequestros
de indivíduos e grupos, das prisões clandestinas, da tortura, do desaparecimento e do assassinato
de professores, estudantes, intelectuais, jornalistas, artistas, políticos,
trabalhadores e camponeses; em poucas palavras, de qualquer individuo que se
opusesse ao regime ditatorial ou que se suspeitasse de oposição ao regime
militar.
Um exemplo reconhecido das praticas de tortura diária de
milhares de brasileiros pelos militares, foi evidenciado pelo caso de Daniel Anthony "Dan" Mitrione, um
agente policial dos EUA (agente do FBI e assessor da CIA na América Latina) que
foi contratado pela USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional) para treinar os militares brasileiros e uruguaios na aplicação
dos métodos de tortura: os mesmos que se espalharam pelo Brasil e Uruguai,
produzindo inúmeras violações de direitos humanos e crimes políticos durante os
governos ditatoriais que ocorreram nesses dois países.
Durante os 21 anos de ditadura militar, perdemos amigos e
conhecidos neste abominável processo implantado na sociedade brasileira: uma
guerra que funcionava como um desastre nacional contra a maioria da população brasileira.
Entre tantas desgraças humanas, o regime ditatorial criou uma cultura do medo e
pânico, na qual eles aterrorizaram e controlavam os cidadãos brasileiros,
lançando mão (como já mencionei anteriormente) das prisões arbitrárias sem
julgamento legal, dos sequestros, dos assassinatos e da tortura, onde se incluía
estupro, castração que provocava inúmeros casos de transtornos na saúde mental
dos brasileiros, incluindo, entre outros, o Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(TEPT) que é reconhecido nos EUA como Post-Traumatic Stress Disorder ( PTSD) (American
Psychiatric Association, 2013).
O projeto “Brasil: Nunca Mais”e o livro Tortura no Brasil fornecem relatos sobre
as atrocidades cometidas pelos militares e sobre a impunidade das autoridades governamentais
brasileira e norte-americana diante do povo e da sociedade brasileira (Arquidiocese
de São Paulo, 1998).
Em resumo, o regime politico produzido pelo militares (o
golpe militar de 1964 e a ditadura no Brasil) mostrava o governo dos EUA e as forças
armadas brasileiras como perpetradores de dezenas de milhares de violações dos
direitos humanos na sociedade civil brasileira: violação dos direitos humanos
de professores, estudantes, intelectuais, jornalistas, artistas, políticos, trabalhadores
e camponeses. Estes cidadãos foram vítimas de violações dos direitos humanos
tais como sequestro, prisões, tortura, desaparecimento e assassinato.
Consequencia da ditadura militar
sobre a doença mental das vitimas.
Estas violações produziram milhares de mortes, além de
inúmeros casos de transtornos na saúde mental das vitimas, tais como,
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (PTSD), depressão, fobias, ataques de
pânico e suicídios (INECO, 2017).
No caso de perdas de amigos, parentes e entes queridos,
também houve o desenvolvimento de uma desordem mental chamada “Dor Prolongada
ou Traumática”, cuja origem traumática, pode precipitar, de acordo com o
Instituto de Neurologia Cognitiva (INECO), tanto os sintomas do Estresse
Pós-Traumático quanto os de Dor Prolongada (INECO, 2017).
Em um trabalho importante sobre
as relações entre ditadura, tortura e transtorno de estresse pós-traumático
(TEPT) no Chile, "Trauma psicossocial, transtorno de estresse
pós-traumático e tortura no Chile durante o golpe militar do general chileno
Augusto Pinochet", o psiquiatra Carlos Madariaga afirma que "O PTSD é
a nosografia que tem sido recorrida na maioria das vezes para cumprir esta
função de diagnóstico, visando a obtenção - através deste quadro conceitual -
um modelo que, além da implementação deste aspecto da prática psiquiátrica no
campo da mentalidade saúde e direitos humanos, também é capaz de realizar a
tarefa de sistematizar, abranger e generalizar a desordem que a tortura e
outras formas de violações do direito à integridade física, psíquica e moral
têm sobre a psique dos indivíduos "(Madariaga, 2002, p. 1). Portanto, para
ser diagnosticado com TEPT, as vítimas (do terrorismo estadual da ditadura
chilena ou brasileira) devem ter sofrido algum evento traumático que consistiu
em um verdadeiro ato de violência ou uma ameaça de violência traumática, como
morte ou lesões graves.
Considerações
politicas, éticas e culturais
No caso do golpe de estado
militar e das ditaduras impostas pelos EUA ao Brasil e a outros países latino-americanos
(Chile, Uruguai, Argentina, etc.), os intelectuais brasileiros e latino-americanos multiculturalistas
tem o dever ético e politico de denunciar e alertar sobre os danos sofridos pelas
vítimas do trauma individual/social causado pelos golpes de estado e pelas
ditaduras patrocinadas pelos EUA.
Assim, o novo projeto imperial
dos USA (que se autoproclama “o país mais democrático do mundo”) sob o governo
de Donald Trump, se constitui em uma clara ameaça e em um grave perigo para os
países e as populações pobres da América Latina. Por isso é vital que as
autoridades das organizações internacionais de direitos humanos sejam alertadas
para as atrocidades imperialistas cometidas pelos EUA. Eu acredito que é da
maior importância que as organizações de direitos humanos não sejam lideradas
pela negligência de permitir a impunidade a países que foram responsáveis pela
produção de tantas guerras, tantas crises humanitárias e tantos desastres
maciços realizados por mãos humanas contra seres humanos de países empobrecidos
do Terceiro Mundo.
A ilegalidade e a violação de
tratados internacionais (como a Convenção de Genebra e outros tratados
internacionais) por potências ocidentais lideradas pelos EUA quando produzem
desastres internacionais provocados pelo militares estadunidenses exigem que os
profissionais das ciências humanas e de saúde mental tomem posições morais e
éticas para denunciar a impunidade dos poderes associados a estes crimes. É necessário
que trabalhemos com as instituições que estão sendo estabelecidas para defender
as vidas humanas no planeta Terra contra a decadência ética, moral da
civilização ocidental, cuja supremacia branca, cristã e militarista, se
expressa na crescente mercantilização (venda de armas de destruição em massa
para guerras imperialistas) e na decadência dos valores humanos diante de
valores do modo de produção capitalista para o beneficio (lucros e juros) de
uma minoria de pessoas ricas, a de menos de 1% da população mundial.
A
consciência da tragédia social/humana produzida pelo imperialismo dos EUA
Importantes investigações antropológicas, sociológicas,
culturais e psicológicas, por exemplo, estão nos ensinando que os modernos
desastres nacionais intermináveis produzidos no Brasil, na América Latina, no
Sudeste Asiático e no Oriente Médio foram causados pelas guerras dos EUA: tanto
no Vietnã, no Iraque, no Afeganistão, como no Paquistão e em outros países do Oriente Médio (Satcher, Friel e Bell,
2007).
Essas guerras
(como o prof. Noam Chomsky nos mostrou recentemente) são fabricadas pelo
governo dos EUA para defender os interesses econômicos e financeiros das
gigantescas corporações multinacionais dos EUA (empresas que estão associadas
aos grandes bancos e à mídia corporativa estadunidense) especializadas na
produção de petróleo, gás e armas de destruição em massa, a fim de aumentar os
lucros e interesses econômicos da elite econômica dos EUA (Chomsky e Vitchek,
2013).
Como já sabemos, um dos
objetivos fundamentais da política exterior de superpotências como a dos
EUA, é obter petróleo e matérias-primas tão baratas quanto seja possível, mesmo
sendo necessário que o sistema capitalista produza golpes militares, invasões,
guerras de destruição e desastres intencionais intermináveis contra os seres
humanos dos países pobres. Esta é a política externa que os EUA tem repetido sistematicamente contra os países e
as populações da África (Fanon, 2005), da América Latina (Galeano, 1997) e de
outras partes do planeta durante os séculos XX e XXI.
NOTAS
American
Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of
mental disorders. (5th ed.). Arlington, VA: Author.
Archdiocese of São Paulo (1998). Torture in Brazil. Austin,
TX: University of Texas Press
Chomsky, Noam and Vitchek, A. (2013). On Western Terrorism: From
Hiroshima to DroneWarfare. London: Pluto
Press.
Democracy now. (2018).“Tillerson Suggests U.S. Would Back Military Coup in Venezuela”. Retrieved from https://www.democracynow.org/2018/2/5/headlines/tillerson_suggests_us_would_back_military_coup_in_venezuela
Fanon, Franz (2005). The Wretched of the Earth. New York: Grove Press
Galeano, Eduardo. (1997). Open
Veins of Latin America. Five Centuries
of the Pillage of a Continent. New York: Monthly Review
Press.
Instituto de Neurología Cognitiva, INECO. (2017). “Trauma, Estrés Postraumático y
Duelo” (“Trauma, PosTraumatic Stress and
Duel”). Buenos Aires, Argentina.
López-Arnal,
Salvador (2008). “Una conversación sobre Manuel Sacristán con el
escritor,
sociólogo y filósofo Jorge Vital de Brito Moreira”. Rebelion.org. 4 de junho de 2008. Extraído de http://www.rebelion.org/noticia.php?id=69805
Madariaga, C. (2002). “Psychosocial Trauma, Postttraumatic Stress
Disorder (PTSD) and Torture in Chile during the military coup of the Chilean
General Augusto
Pinochet”
2002. Centro de Salud Mental y Derechos Humanos (CINTRAS).
Rebelion.org (2018) “Rex Tillerson, de ExxonMobil al
Departamento de Estado”. Extraido de
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=238178&titular=rex-tillerson-de-exxonmobil-al-departamento-de-estado-
US National Security Archive. (2014). On 50th anniversary, Archive
posts new Kennedy Tape. Transcripts on coup plotting against Brazilian
President Joao Goulart.
George Washington University Posted April 2, 2014 Retrieved from http://www2.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB465/
Satcher, D., Friel, S.,
& Bell, R. (2007). Natural and manmade disasters and mental
health. JAMA: The Journal of the American Medical Association, 298(21),
2540–2542. Retrieved from the Walden Library databases.
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